sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Mãos Aveludadas de Deus




Ele estava no ônibus urbano. Jovem, vestia a camisa dez da seleção de futebol. O amarelo se destacava na condução lotada.

Chamou atenção a criança que ele trazia ao colo, pelos gritos estranhos que emitia, a espaços regulares. Denotava ser portadora de deficiência, algum problema que, na qualidade de leigos, não identificamos.

O menino demonstrava, ademais, ter problemas neurológicos graves, pois se mantinha um tanto relaxado, no colo paterno, os braços ao longo do corpo, a cabeça pendendo para um lado.

Vez ou outra, o corpo projetava-se para a frente, num movimento de queda, como se a gravidade lhe lançasse um apelo, ao qual ele acedia, sem resistência.

O pai, sem alterar-se ou demonstrar inquietação, tornava a acomodar o filho, secando-lhe a baba, com delicadeza, preocupando-se, com seu conforto.

Nenhum sinal de enfado. Ao contrário, infinita ternura, em cada gesto. 

Chegado ao destino, ergueu-se do banco onde se assentava, tomou seu fardo precioso nos braços, acomodou-lhe a cabeça em seu ombro direito, sob as reclamações insistentes do garoto.

E lá se foram os dois, parecendo um só, ambos de camisa amarela. Um ereto, caminhando firme, debaixo do sol de inverno, gargalhando luzes douradas. O outro, utilizando-o como apoio para seu frágil e desengonçado corpo.

Quanto amor em poucos gestos. Quanta ternura em cada ação.

O menino, exteriormente, não denotava perceber os cuidados de que era alvo. No entanto, ao olhar mais atento não escapava o fato de que as expressões dos sentimentos amorosos o acalmavam.

É como se a ternura tecesse uma rede, para nele embalar o ser deficiente e indefeso.

Lembramos de quantos pais e mães existem, na Terra, bordando carinho na vida de filhos dependentes. Filhos portadores de deficiências físicas e mentais.

Pais e mães que abraçam filhos, de tal sorte alienados que jamais, nesta vida, lhes manifestarão gratidão por qualquer forma.

Filhos com problemas. Seres amados.

Almas que se reencontram sob o pulsar do amor e a grandeza das renúncias.

À noite, quando deixam os corpos, em desprendimento parcial pelo sono, pais e filhos se encontram em jardins espirituais, entre abundância de flores, perfumes e cores.

É ali que o Espírito do filho abraça e chora de emoção: Obrigado, pais queridos, por me ampararem, botão de flor defeituoso, na primavera da vida.

E os pais, entre carinhos, respondem: Filho amado, conta conosco. 

Seremos na Terra, nesta vida, tuas pernas, teus braços, tua mente. O amor que nos une supera toda dificuldade.

Depois, retornam aos corpos físicos e, quando a manhã se espreguiça, e o sol estende sua colcha dourada sobre o dia nascente, eles abrem os olhos na carne e reiniciam suas lutas.

*   *   *

Benditos sejam os que amam, os que agasalham outras vidas renunciando às suas próprias.

Benditos sejam, pais e mães da Terra, mãos aveludadas de Deus, no planeta, sustentando vidas débeis.


Redação do Momento Espírita


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